Ingestão de Corpo Estranho em Crianças: Como Abordar no Pronto-Socorro

Por que esse tema é importante?

A ingestão de corpo estranho é uma das causas mais comuns de atendimento no pronto-socorro, principalmente em crianças pequenas ou naquelas com comorbidades que aumentam o risco desse tipo de acidente. Saber conduzir esses casos com segurança e clareza faz parte da rotina do profissional de saúde que atua na linha de frente.

Como abordar a história clínica?

Se o paciente for muito pequeno, como um bebê de três meses ou uma criança de um ano, ele não conseguirá relatar o episódio. Nesses casos, é essencial focar nos sinais clínicos. Já em crianças maiores, entre oito e doze anos, o relato pode ser utilizado a favor do diagnóstico.

Algumas perguntas devem estar sempre presentes na sua avaliação: qual foi o tipo e o formato do objeto ingerido, em que contexto ocorreu a ingestão, há presença de sintomas associados, qual o tempo desde o episódio e quanto tempo de jejum o paciente apresenta.

Se a ingestão não foi presenciada, é preciso observar sinais clínicos como disfagia ou odinofagia súbita, sialorreia, recusa alimentar, presença de sangue na saliva, hematemese, dor retroesternal, torácica ou abdominal. Esses achados ajudam a levantar a suspeita de ingestão de corpo estranho.

Moeda ou bateria? A importância do raio-x

Dois dos objetos mais frequentemente ingeridos são moeda e bateria. Ambos são metálicos e podem ser visualizados no raio-x. Entretanto, é fundamental diferenciá-los, pois isso muda a conduta médica.

Na radiografia em anteroposterior (AP), a moeda aparece como um objeto branco, sólido e bem delimitado. Já a bateria exibe um duplo halo, com um segundo contorno mais escurecido ao redor. Na imagem em perfil, a moeda mantém-se reta, enquanto a bateria apresenta um degrau característico.

Nem todas as imagens são nítidas, mas o profissional deve estar atento para identificar essas características. Quando há suspeita de objetos radiotransparentes ou complicações como perfuração esofágica ou intestinal, a tomografia pode ser necessária.

A endoscopia entra em cena

A endoscopia é uma ferramenta essencial nesses casos, tanto para diagnóstico quanto para tratamento. O profissional precisa conhecer a disponibilidade desse exame no serviço onde atua. Caso não exista, deve saber para onde encaminhar o paciente.

A endoscopia se divide em três grupos conforme a urgência:

  • Imediata, em menos de duas horas, indicada para baterias no esôfago, objetos longos, perfurantes ou cortantes e obstrução esofágica completa que impede até a deglutição de saliva.
  • Urgente, em até 24 horas, indicada para bolo alimentar, moedas ou objetos rombos no esôfago sem obstrução completa, ímãs, objetos com mais de 2,5 cm de diâmetro ou 6 cm de comprimento e baterias no estômago.
  • Eletiva, indicada para corpos estranhos que permanecem no estômago por longos períodos sem causar riscos aparentes.

Quando é possível observar e quando é necessário agir?

Em pacientes assintomáticos que ingeriram objetos rombos com menos de 2,5 cm de diâmetro ou 6 cm de comprimento, sem liberação de substâncias tóxicas e sem histórico de cirurgias no trato gastrointestinal, a conduta pode ser expectante.

Por outro lado, objetos no esôfago, objetos pontiagudos, perfurocortantes, baterias, ímãs, objetos grandes ou casos com histórico cirúrgico exigem condutas mais agressivas, frequentemente com indicação de endoscopia conforme a classificação anterior.

Quando indicar internação?

A internação está indicada quando há lesão no trato digestório ou quando se identificam sinais clínicos ou radiológicos de perfuração ou extravasamento de substâncias tóxicas.

Além da internação, a conduta inclui dieta zero por via oral, passagem de sonda para alimentação, hidratação venosa, uso de inibidores de bomba de prótons, controle da dor, medicações sintomáticas e, em alguns casos, antibióticos. O parecer do cirurgião pediátrico deve sempre ser solicitado, principalmente se houver perfuração ou extravasamento para o mediastino.

Condutas práticas conforme o tipo de objeto e sua localização

Objetos rombos
Se estiverem no esôfago, devem ser retirados em até 24 horas, sintomáticos ou não. Se estiverem no estômago ou duodeno, a retirada também deve ser feita em até 24 horas se o paciente for sintomático. Se for assintomático, pode-se optar por conduta expectante. Abaixo do duodeno, a conduta é observação.

Moedas
Se o paciente estiver sintomático, a retirada deve ser imediata. Se for assintomático, a remoção deve ser feita em até 24 horas. Se estiverem no estômago ou duodeno e o paciente for assintomático, realiza-se acompanhamento com exames radiológicos para acompanhar a progressão. Abaixo do duodeno, a conduta é expectante.

Baterias
Devem ser removidas em até duas horas se o paciente estiver sintomático ou se estiverem no esôfago, mesmo sem sintomas. No estômago ou duodeno, a retirada deve ser imediata se houver sintomas. Em pacientes assintomáticos, pode-se cogitar aguardar o tempo de jejum, mas sempre discutindo com o especialista que realizará o exame. Baterias abaixo do duodeno exigem colonoscopia ou cirurgia se o paciente estiver sintomático. Se assintomático, pode-se repetir o raio-x em até 48 horas para avaliar a progressão.

Objetos pontiagudos
Devem ser retirados imediatamente, com ou sem sintomas. A exceção são os casos em que o objeto está abaixo do duodeno. Nesses casos, solicita-se o parecer da cirurgia pediátrica para decidir entre cirurgia ou observação hospitalar.

Ímãs
Devem ser retirados em até 24 horas, devido ao risco de úlceras. Se estiverem abaixo do duodeno, pode-se cogitar observação, mas sempre com apoio do cirurgião.

Fonte: SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Ingestão de corpo estranho.

Por fim…

Saber como agir diante da ingestão de um corpo estranho faz toda a diferença no PS. Observar os sinais, entender o tipo de objeto e conhecer as condutas corretas ajuda a garantir mais segurança para o paciente e mais confiança para o profissional. Avalie bem cada caso e, quando necessário, conte com o suporte da equipe especializada.


Autor: Matheus S. Fassarella
Médico pela Faculdade Multivix, Pediatra pela Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Preceptor de Residência Médica em Pediatria pelo Hospital Infantil de Vitória (HINSG) e professor do PS Zerado.

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