Como Interpretar o D-Dímero e sua Relevância na Prática Clínica

Como Interpretar o D-Dímero e sua Relevância na Prática Clínica

O D-Dímero na Rotina do Pronto-Socorro

No dia a dia do pronto-socorro, é comum solicitar exames laboratoriais para auxiliar na conduta clínica. Entre esses exames, o D-dímero é frequentemente solicitado, muitas vezes sem uma compreensão clara do seu real significado. Para utilizá-lo de forma racional, é fundamental revisitar conceitos da hemostasia e entender onde o D-dímero se encaixa no processo.

Revisão da Hemostasia: Primária, Secundária e Terciária

Para compreender o D-dímero, é essencial entender a hemostasia, que pode ser dividida em três fases: primária, secundária e terciária.

Hemostasia Primária

A hemostasia primária ocorre imediatamente após uma lesão endotelial. O endotélio lesionado expõe o colágeno e libera o fator de von Willebrand, que se liga às plaquetas, formando um complexo essencial para a ativação da cascata plaquetária. Esse processo resulta na formação do tampão plaquetário, um coágulo inicial ainda instável.

Hemostasia Secundária

A hemostasia secundária fortalece o tampão plaquetário por meio da cascata de coagulação, que possui duas vias principais:

  • Via Intrínseca: Ativada pelo fator XII, que desencadeia uma cascata envolvendo os fatores XI, IX e VIII. O exame laboratorial que avalia essa via é o PTTK (Tempo de Tromboplastina Parcial Ativado).
  • Via Extrínseca: Depende do fator tecidual (fator III) e do fator VII. Essa via é monitorada pelo TAP/INR (Tempo de Protrombina/Razão Normalizada Internacional), exame importante no uso de anticoagulantes como a varfarina.

As duas vias convergem na ativação do fator X, que, por sua vez, ativa o fator II (trombina), promovendo a conversão do fibrinogênio (fator I) em fibrina, consolidando um coágulo estável.

Hemostasia Terciária e a Formação do D-Dímero

Nosso corpo possui mecanismos para evitar a formação excessiva de coágulos. Esse processo é chamado de hemostasia terciária, mediado pelo plasminogênio, que se converte em plasmina e degrada a fibrina. O produto dessa degradação é o D-dímero, também conhecido como PDF (Produto de Degradação da Fibrina).

O D-dímero tem um papel essencial na clínica, pois é um marcador da degradação da fibrina e, consequentemente, da atividade trombótica no organismo.

Interpretação Clínica do D-Dímero

O D-dímero é um marcador sensível para eventos trombóticos, como a Trombose Venosa Profunda (TVP) e o Tromboembolismo Pulmonar (TEP). Quando ocorre um evento trombótico, o corpo tenta degradar os coágulos formados, resultando no aumento do D-dímero.

Porém, há um detalhe importante: o D-dímero é altamente sensível, mas pouco específico. Isso significa que um valor elevado pode indicar várias condições além de TEP, como processos inflamatórios, infecções, câncer e pós-operatório. Dessa forma, seu principal uso é excluir a possibilidade de trombose quando seu resultado é negativo.

Vale lembrar que o paciente pode apresentar D-dímero elevado sem necessariamente ter uma trombose. Isso ocorre em diversas condições clínicas, como imobilização prolongada, sepse e até mesmo gestação. Portanto, a avaliação deve sempre considerar o contexto clínico.

O Papel do Score de Wells

O D-dímero não deve ser utilizado isoladamente para diagnosticar TEP. Ele deve ser interpretado dentro de um contexto clínico, como o Score de Wells, que auxilia na estratificação do risco. Em pacientes com alta probabilidade de TEP pelo Score de Wells, um D-dímero positivo pode indicar a necessidade de exames adicionais, como a angio-TC de tórax.

Outras Situações que Elevam o D-Dímero

Além de eventos trombóticos, outras condições podem elevar o D-dímero:

  • Pós-operatório (especialmente cirurgias ortopédicas);
  • Processos inflamatórios agudos;
  • Infecções graves;
  • Neoplasias malignas;
  • Traumas extensos;
  • Insuficiência renal ou hepática;
  • Gestação;
  • Vasculopatias periféricas;
  • Sepse;
  • COVID-19, independentemente da presença de TEP.

O valor de referência para um D-dímero considerado negativo geralmente é inferior a 500 ng/mL, mas pode haver variações conforme o laboratório.

Alteplase e a Relação com a Hemostasia

Outro ponto relevante na hemostasia terciária é o uso da alteplase, um medicamento trombolítico que age de forma similar à plasmina. Ele é utilizado para dissolver coágulos em situações emergenciais, como AVC isquêmico, infarto agudo do miocárdio (IAM) e TEP de alto risco.

Considerações Finais

A interpretação adequada do D-dímero é fundamental para evitar exames desnecessários e otimizar a abordagem diagnóstica. Seu principal valor está na exclusão de TEP e TVP em pacientes de baixo risco, conforme indicado por escores clínicos como o de Wells. Utilizá-lo de forma criteriosa evita condutas equivocadas e melhora a precisão diagnóstica no pronto-socorro.

Além disso, é importante lembrar que o D-dímero só deve ser solicitado quando há indicação clínica, pois é um exame caro e inespecífico. Por isso, antes de pedir, reflita sobre a real necessidade do exame na tomada de decisão.


Referências

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Emergências clínicas – abordagem prática. São Paulo: Manole, 2015.

JAMESON, J. Larry et al. Harrison’s principles of internal medicine. 21. ed. New York: McGraw-Hill, 2022.

GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman-Cecil medicine. 26. ed. Philadelphia: Elsevier, 2020.

KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; ASTER, Jon C. Robbins and Cotran Pathologic Basis of Disease. 10. ed. Philadelphia: Elsevier, 2020.a


Autor: Tammer Ferreira Zogheib

Médico pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Clínico Geral pelo Hospital Evangélico de Vila Velha (HEVV), Médico das Unidades de Internação do Vitória Apart Hospital, Docente no curso de Medicina da Faculdade Multivix Vitória-ES, Professor do PSZerado.

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