Dar um bom plantão não é apenas uma questão de conhecimento técnico. Com o tempo e a experiência, bons plantonistas desenvolvem comportamentos e estratégias que transformam suas horas de trabalho em momentos mais tranquilos, eficazes e produtivos — tanto para eles quanto para os pacientes e a equipe. Este texto traz três atitudes fundamentais que você pode adotar desde já, mesmo que ainda esteja no início da sua trajetória, para melhorar sua performance no plantão.
1. Organização: O Alicerce do Plantão Eficiente
O primeiro “macete” essencial é a organização. E aqui não estamos falando apenas de arrumar a cama ou deixar o crachá no lugar. No contexto do pronto-socorro, a organização se traduz em atitudes práticas que evitam o caos, principalmente quando o volume de atendimento é alto.
Passagem de Plantão
Um ponto crítico é a passagem de plantão — tanto ao receber quanto ao entregar. Um plantonista organizado é aquele que se preocupa em oferecer ou receber uma passagem clara, objetiva e baseada em prioridades.
Exemplo prático:
Você chega às 7h e recebe do colega três casos:
- Uma paciente em emergência hipertensiva na sala vermelha, aguardando parecer da cardiologia.
- Um paciente aguardando resultado de potássio.
- Um paciente sondado, aguardando exame de urina e com provável hiperplasia prostática.
Com essas informações, a prioridade é clara: verificar a paciente grave na sala vermelha. Em seguida, checar o potássio no sistema e chamar o paciente da sonda para reavaliação. Essa simples atitude de listar os casos e organizar mentalmente (ou por escrito) o que será feito primeiro já melhora significativamente seu rendimento e a segurança do atendimento.
Não precisa de tecnologia sofisticada. Um receituário, uma folha, uma prancheta ou um caderninho servem muito bem para organizar as prioridades e garantir que nada seja esquecido. Organização não é luxo — é ferramenta de sobrevivência clínica.
2. Leitura Clínica e Apoio no Exame Físico
O segundo macete envolve a capacidade de perceber além do que é dito — algo que se desenvolve com a experiência, mas que começa com atenção ao paciente como um todo. Médicos mais experientes costumam captar sinais sutis que não estão nas palavras, mas no comportamento: o olhar, a postura, o tom de voz, a forma como a história é contada. Esses elementos muitas vezes revelam mais do que a própria queixa verbalizada. Para quem está começando e ainda não tem esse “faro clínico” bem treinado, o caminho é se apoiar no que é objetivo.
O Poder do Exame Físico
Como desenvolver esse feeling? Apoie-se no exame físico. Ele é concreto, objetivo e essencial. Muitos pacientes relatam que nunca foram realmente examinados até encontrarem alguém que de fato parou para ouvir e avaliar com atenção.
Casos comuns ilustram bem isso:
- Homem com queixa de disúria tratado repetidamente com ciprofloxacino, mas que, ao ser finalmente examinado, apresentava cancro mole ou sífilis.
- Pacientes que pulam de atendimento em atendimento sem que ninguém tenha pedido para levantar a blusa e ver um herpes zóster.
Portanto, examine todos os pacientes. Isso não é perda de tempo, é ganho de precisão. Se essa atitude parece óbvia para você, ótimo: você já está no caminho certo para se tornar um excelente plantonista.
3. Relações Humanas: O Jogo da Colaboração
O terceiro ponto é talvez o mais negligenciado, mas tem impacto profundo: seja colaborativo. Não seja o “brigão do plantão”. Evite conflitos desnecessários com pacientes, enfermagem, técnicos, fisioterapia, colegas ou médicos do sobreaviso.
Gentileza é Estratégia
Lembre-se: muitas das interações no plantão são baseadas em gentileza. A enfermeira que te acorda no meio da madrugada está te fazendo um favor. O intensivista que recebe seu paciente na UTI está te ajudando. O colega que atende um parecer está colaborando. E você também está colaborando quando atende bem e mantém o clima leve.
A chave é empatia, educação e sorriso no rosto. Em vez de reclamar das dificuldades estruturais ou dos colegas, jogue o jogo do respeito e da harmonia.
O Termômetro da Boa Convivência
Quer saber se está mandando bem? Faça este exame de consciência:
- Quando você chega no plantão, a equipe fica mais tranquila ou mais tensa?
- As pessoas sorriem quando te veem ou se retraem?
- Seus colegas pedem para trabalhar com você de novo?
Se a resposta for positiva, parabéns: você está virando o tipo de plantonista que todos querem por perto.
Por fim
Organização eficiente, exame físico bem feito e colaboração genuína são três atitudes que transformam seu plantão — mesmo que você esteja começando agora. São práticas acessíveis, que dependem mais da sua postura do que da sua experiência. No final das contas, ser um bom plantonista é menos sobre brilhar e mais sobre servir bem: com atenção, respeito e competência.
Autor: Rômulo Oliveira
Médico pela EMESCAM (Santa Casa de Vitoria-ES), Cirugiao Geral pelo hospital Ipiranga SP, Cirurgiao Vascular pelo HEVV, Docente em Habilidades Médicas da Faculdade Multivix, Professor e fundador do PS ZERADO.