AIT no Plantão: Como Decidir a Conduta com Segurança Clínica

Imagine a seguinte situação: um paciente chega ao seu plantão com um quadro de déficit neurológico agudo. Você suspeita de um AVC. No entanto, após 40 a 60 minutos, o paciente melhora completamente, de forma espontânea. Frente a esse cenário, você conclui tratar-se de um Ataque Isquêmico Transitório (AIT). E agora: dar alta, manter em observação ou internar o paciente?

Neste post, vamos abordar como conduzir com segurança o atendimento de pacientes com AIT no contexto do pronto-socorro, utilizando evidências e ferramentas clínicas reconhecidas.

O desafio do AIT no plantão

Pacientes com AIT geralmente chegam dentro do protocolo de AVC, mas logo apresentam melhora espontânea dos déficits neurológicos. É nesse momento que surge a insegurança: é seguro liberar esse paciente para casa? Preciso interná-lo mesmo que os sintomas tenham desaparecido?

Muitos profissionais optam pela alta, sem considerar os riscos associados ou sem respaldo em diretrizes clínicas. No entanto, existem dados na literatura que embasam a melhor conduta frente ao AIT, e é fundamental conhecê-los.

Definição atual de AIT

O AIT é definido como um déficit neurológico súbito que melhora espontaneamente, geralmente em pacientes com fatores de risco para AVC. Antigamente, aceitava-se como AIT qualquer quadro que resolvesse em até 24 horas. Porém, estudos com exames de imagem mostraram que, mesmo após melhora clínica, alguns pacientes ainda apresentavam áreas isquêmicas no cérebro, o que caracterizaria um AVC, não mais um AIT.

Assim, a definição moderna de AIT exige:

– Quadro neurológico súbito

– Melhora espontânea dos sintomas

– Ausência de isquemia nas imagens (tomografia ou ressonância)

A maioria dos pacientes recupera os sintomas em menos de uma hora, mas é possível que alguns ultrapassem esse tempo. O critério definitivo continua sendo a imagem sem lesão isquêmica.

Conduta após melhora: usar o Score ABCD2

Depois que o paciente melhora, surge a dúvida prática: qual o próximo passo? É aqui que entra o score ABCD2, ferramenta que ajuda a estratificar o risco de um novo evento isquêmico e orientar a decisão clínica.

Componentes do score ABCD2

O nome do score é fácil de memorizar, baseado no alfabeto: A, B, C, D e o “2” ao final.

A – Age (idade)
Idade igual ou maior que 60 anos: 1 ponto

B – Blood Pressure (pressão arterial)
Pressão arterial maior ou igual a 140/90 mmHg no atendimento: 1 ponto

C – Clinical Features (manifestações clínicas)

Paresia unilateral: 2 pontos

Alteração de linguagem (seja na compreensão ou na fala): 1 ponto

D – Duration (duração dos sintomas)

Maior ou igual a 60 minutos: 2 pontos

De 10 a 59 minutos: 1 ponto

D – Diabetes
Presença de diabetes: 1 ponto

Exemplo de aplicação:

Um paciente com 65 anos, PA de 150/95, paresia unilateral, sintomas que duraram 70 minutos e diabetes, soma:
1 (idade) + 1 (pressão) + 2 (paresia) + 2 (duração) + 1 (diabetes) = 7 pontos

Como interpretar o score ABCD2?

Se o paciente atinge 4 pontos ou mais, ele é considerado de alto risco para sofrer um AVC nas próximas 48 a 72 horas. Nessas situações, a conduta correta é a internação, de preferência em uma unidade com expertise em AVC. O monitoramento com neurochecks frequentes é essencial.

Mesmo que a unidade reguladora “não aceite AIT”, é importante justificar de forma clara:

“Paciente com AIT, apresentou hemiparesia à direita e afasia de expressão, score ABCD2 igual a 5.”

Essa descrição técnica aumenta a chance de aceitação e garante segurança para o seu paciente.

Referência 

LOSCALZO, José; FAUCI, Anthony S.; KASPER, Dennis L.; e outros. Medicina Interna de Harrison . 21. ed. Porto Alegre: AMGH, 2024.

GOLDMAN, Lee; SCHAFER, Andrew I. Goldman-Cecil Medicina. 26. ed. Rio de Janeiro: GEN Guanabara Koogan, 2022. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Emergências clínicas – abordagem prática. São Paulo: Manole, 2015.


Autor: Tammer Ferreira Zogheib
Médico pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Clínico Geral pelo Hospital Evangélico de Vila Velha (HEVV), Médico das Unidades de Internação do Vitória Apart Hospital, Docente no curso de Medicina da Faculdade Multivix Vitória-ES, Professor do PSZerado.

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